sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A estranha divisão de uma pessoa.


Lânguida, olhou pela janela... e um tenebroso frio, tenebroso espamo, mais arrepio, percorreu toda sua espinha... Era um novo dia, e trazia o nublado como companhia.

Olhos imensos preenchidos de mel, agora escassos, mais pareciam folhas gastas com a chegada do outono...

- É ele sim, Annie, é ele sim, chegando ali... Um novo dia... talvez um novo Sol...

- Sol?! Que Sol?! Tudo que vejo são essas montanhas geladas de dor, bem ali... e um ódio interminável, uma raiva incontida... Sol, Sol.Hunf! Antes fosse este...

- Limpa tua face, irmã. Toma teu banho... temos de recebê-lo de braços abertos... - tentativa de otimismo.

- Não devo nada a ele, muito menos você.- Frieza seca e dura. Assim como esta, assim como as duas.

- Eu queria ser nada... esses átomos soltos no mundo... para não ter que sentir, nem olhar, nem chorar, nem muito menos sorrir... Mas não posso. Eu simplesmente sou, e sinto tudo isso... Não há como fugir, amiga...

- Não é você quem unicamente determina! Posso ser simplesmente eu, pessoa, em capa, em forma, e dentro um eterno e inaprofundável vazio... Oca! É isso! Quero ser apenas... oca. Assim o escolhi, e você terá de respeitar... - Dá uma risadinha fúnebre, sarcástica. Não há a mínima graça.

- Teus olhos costumavam ser tão belos, irmã... serenos. Doces como brisa no verão... como os meus eram.

- Sim! Eram! Tudo era... tudo foi! Somos apenas esboços do amor que fomos um dia, querida... e temos de aceitar isso... assim como os outros têm! Danem-se todos!- Outra risada maléfica.

- Às vezes tento... sabe? Tento ser o que já fui... através das lembranças mais belas e delicadas...

- E ainda existem estas? Existem?!

- Há alguma parte de mim que acredita que sim, mas logo que tento revivê-las não sinto mais o sabor de outrora...

- Sinto aí o cheiro da morte...

- Morte?

- Sim... talvez de um amor que foi e não volta mais dentro de você.

- Será?

- Sim, sim. Não há mais "serás"... já deveria ter sido.


As duas se calam e olham para o horizonte. Se apresenta ainda belo, mas ainda também melancólico... Uma folha cai de uma árvore em algum lugar... Uma delas nota o nascer de outra, verde e nova de onde a antiga caiu... é apenas uma pontinha verde, mas já significa algo... talvez.


- Irmã...

- Sim?

- Você acredita em esperança?

- Hum... em algum lugar de mim, sim... Por quê?

- Por quê quero continuar a acreditar, por mais difícil que seja... e por mais dividida que eu esteja...

- Que nós estejamos, você quer dizer..?

- Sim, que nós estejamos!


Ouvem uma batida na porta.

Se entreolham.


- É hora de ir, não é?- uma diz.

- Sim... é hora de acordar para o novo dia... seja ele feliz ou não.


Dão- se as mãos, recolhem-se e abrem os olhos no mundo real como uma só,

mas tão "dividida" entre si como apenas duas pessoas poderiam ser!





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