sábado, 25 de setembro de 2010

A menina, a parede e o menino inconveniente.







Uma menina, encima de uma escada, bate incessantemente com um martelo em uma bela parede pintada de diferentes cores. Tem cabelos escuros, olhos penetrantes, branca como branca de neve...

Um menino passa e pára. Ele é sardento, possui cabelos claros, e é branco... branco quase como a neve...

Pára e olha para menina. Olha preocupado.


Menino - Por quê você está aí? O que está fazendo?

Menina - Não é da sua conta! Tudo que eu faço diz respeito a mim, e mais ninguém!- diz, enfurecida e voltando a bater seu martelo com raiva na parede.
Menino -Ei! Mas essa parede é tão bonita...
Menina - Não importa! O que interessa é que ela atrapalha minha vida... e muito! Tenho que destruí-la de alguma forma!
Menino- Mas... o que foi que ela te fez? Me diz...
Menina - Eu vou te dizer mesmo o que ela me fez... O pior que uma parede poderia fazer: me fez feliz! Me fez ver o mundo através dela, como se tudo fosse belo e perfeito, onde tudo é possível... e não é! Eu ,pelo menos, não quero que seja!
Menino - Mas e ela? Você perguntou a ela o que ela queria? Se ela te fazia feliz, também devia ser feliz em te fazer feliz, não acha?
Menina pára, pensa um pouco... por um minuto, talvez.

Menina - É, acho que sim... mas não importa... não mais. O que importa é o que eu quero, e todo mundo tem que arcar com as consequências!

Diz isso com tanta raiva e eloquentemente que sua escada balança e menina quase cai, mas menino segura fortemente a escada e a salva.
Menina- Obrigada, menino inconveniente. Apesar de tudo, você até que é legal... Sei que só estou te conhecendo agora, mas sinto como se te conhecesse há mais tempo...
Menino - Engraçado, eu também... Estou eu aqui a sentir esta extrema necessidade de te alertar para algo... não sei... talvez te pedir para não destruir essa parede assim, com tanta pressa... sinto que irá te fazer mal...


Menina ri.

Menina- Mal? Que nada! Ao contrário, só me fará bem! Destruindo essa parede, tudo voltará a ser como antes, entende?

Menino- Bem... entender mesmo não entendo... só te digo que, destruindo-a, você não terá mais seu apoio em nenhum momento, e terá que arcar sozinha com todas as consequências em sua vida... entende?
Menina- Bah! Acho que entendo sim... afinal, sou jovem!
Menino - Sim! E é justamente esse o problema... você não entende as proporções do que irá acontecer se você destruir essa parede completamente! Só irás sentir mais fortemente lá na frente, quando for mesmo tarde demais... e aí sua dor vai ser solitária... e acredito que não há nada pior do que sentir esse tipo de dor... eu mesmo, vivo fugindo dela!
Menina - Pois é... vai ver a diferença entre eu e você seja essa... você é corajoso, já eu não...
Menino - Para dizer a verdade, não acho que isso seja uma desculpa mas enfim... se você prefere se considerar mesmo uma covarde, é o que serás... para sempre...
Menina se sente ainda mais enraivecida e começa a bater o martelo mais forte por onde alcança na parede, quando finalmente sente que ela está cedendo. Bate, bate, bate, rachaduras aparecem. Bate, bate, bate, grandes aberturas e buracos acontecem. Bate, bate, bate, quando tudo amolece e...






a parede, antes tão colorida e delicada, desaba, virando pura poeira...

Menina quase cai, mas o menino a segura. Os dois tossem , observando a poeira baixar e...


Menina- Aí está, menino! Aí está!
Menino - O que está, que ainda não consigo ver direito?

Menina- Aí está o que me fará ser igual como antes! Escute... eu sei que pode ser pedir demais, mas se não for, gostaria de lhe pedir um favor...



Poeira baixa e menino finalmente divisa, dentre os escombros, uma grande e enferrujada grade, um triste e terrível cubo de prisão.

Menino diz, assustado - Diga-me, o que queres por final?
Menina- Quero que me tranques aí dentro, com esta chave, que só eu tenho... e a destrua, para que eu nunca mais possa sair... tudo bem?
Menino a olha, triste... sente um enorme pesar... mas respeita.
Menino - Tudo bem... se é esta sua decisão, te ajudarei sim!

Menina, com lágrimas nos olhos, abre o portão enferrujado e entra, tentando sorrir. Fecha e entrega a chave ao menino, que, se sentindo terrivelmente mal, a tranca.

Menino - Desculpe, tenho de ir... a vida me espera.... e ver tal imagem não me deixa nada feliz... Não posso ficar... se eu ficar um pouco mais, é capaz de teus olhos me prenderem junto a esta prisão tão terrível, e não haveria nada que me deixasse mais infeliz!

Menina olha para ele meigamente...
Menina- Sim, eu sei... Talvez, em outra vida, poderíamos ter mesmo nos conhecido melhor, não é?
Menino - Não acredito nisso. Só sei que a vida que eu vivo é essa de agora e você está desperdiçando-a... mas eu não não a desperdiçarei junto... Adeus menina... espero que você um dia entenda minhas palavras...






Menina agarra menino e o abraça, quase sufocando-o. Ele chora junto com ela, lhe dá um beijo e um adeus e, olhando-a pela última vez, se vai... Ela se torna apenas uma sombra branca, pouco iluminada e esmaecida ao longe, cercada de feio cinza...






O menino carrega a chave consigo, mas não consegue destruí- la. Resolve então deixá-la no caminho por onde viu a menina vindo, para se por acaso ela mudar de idéia, de alguma forma pegar a chave e se libertar... Pensa que fez o que podia e apenas resolve seguir, ainda triste, mas de consciência limpa por ter feito o possível... e impossível.







E chora, chora, chora... o choro dos inocentes... assim como ela.




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