sábado, 30 de abril de 2011

Expurgação poética da realidade.







- Que curso você faz, mesmo?

- Artes Cênicas.
- Sério?(risinho irônico). - Aí vocês fazem o quê? Brincam de fazer peça o dia todo é?

- Na verdade, é apenas um pouco mais que isso...

Por exemplo, na aula de interpretação 3 dessa semana, na qual estamos trabalhando técnicas do teatro físico, vi magicamente a técnica se desintegrar e se transformar em suor, vida, pulsação, bem coletivo, algo tão intangível na sociedade de hoje que mais me parecia estar em outro mundo...



Pessoa exata e metódica assente, sem entender patavinas. Afinal, por quê nós, artistas, não nos expressamos em números? Seríamos tão simples... medíocres, ``normais``...


- Você sabe o que é ver um lençol se transformar em ondas do mar? Você sabe o que é se sentir em um mundo mágico, onde através de sentidos, gestos e comunicação entre cada indivíduo, se cria um quadro belíssimo, bruto e puro como o sol? Ou como a chuva nublada que cai na grama? Você sabe?



Pessoa exata e metódica, adoradora de esteriótipos, pensa ``no mínimo está louca``... e se cala em pensamentos.



- Você sabe o que é não ter medo de seu corpo, de sua sexualidade, de se perceber como um elo essencial entre montantes de elos essenciais? Até de sua alma? Senti-la a tal ponto de saber que o teatro, música... a arte se inserem dentro de você e que jamais poderá ser arrancada...nem por você nem por ninguém? Nem por esteriótipos nem idéias chulas e hipócritas, nem por corações partidos e egoísmos definidos?


Pessoa exata e metódica se cala. Não sabe o que pensar. Afinal, conhece números. Sabe que é apenas mais um indivíduo no meio de milhares de outros, apenas competindo para ser o número maior... estudando, estudando... pois afinal a vida é apenas estudos teóricos, chatos e incrivelmente determinados, não é? Não existe emoção, não existe droga de instinto... pois ela é tão superior que não precisa de calor humano, de carinho, de amor... tão incrivelmente robótica ela é. Apenas balbucia algo...

- É... já nosso trabalhos são muito mais pesados.

- Por quê?

-Ah... porque temos de pensar muito, calcular muito... errar muito... calcular muito...errar muito... ganhar muito...pensar...racionalizar muit-...








-Cala a boca. Você mais tá parecendo um cd arranhado. Por acaso você seria capaz de calcular o quanto de sentimento você possui dentro de você? Seria capaz de harmonicamente saber que parte do corpo mexer, ao mesmo tempo que fala, pensa e atua em cena?Isso tudo de segundo em segundo? Ou até menos que isso? Seria capaz de fazer projetos que envolvem criação de cenário, cena, luz e texto? Além de som? Não algo premeditado, e sim dando vazão a mistura da lógica e da criação bem aprofundada?

-Hum...criar? Mas... o que significa criar? Ah, sim! Eu acho que sei o que é! É algo como se deixar libertar mais das amarras de algo como regras, por exemplo, não é? Como as que a sociedade cria?

-Sim, sim... algo assim... Você gosta de criar? Se deixa criar?

-AH, não! Isso é muito perigoso, por demais perigoso... não,não! Jamais...tenho medo.

-Por quê?

-Porque nos afastar do que é normal nos faz loucos... se deixarmos acabamos ficando bem distantes da sociedade...

-E se eu te contar que na verdade isso nos faz ficar mais próximos, mais humanos?

-Hum... Eu apenas não quero ser humano. Eu prefiro viver assim, sendo um robô, igual a quaquer um. É muito mais seguro...mais prático, mais...


-... medícore.


Pessoa exata e medícore se sente ofendida, afinal seu curso é ``sério``... ao contrário de Artes Cênicas, não é? Pois afinal, o que tem de tão especial em voar estando bem preso em teorias como as de Stanislavski, Artaud, Grotowsk e por aí vai? Quem foram essas pessoas para eles? Apenas nomes... enquanto que para nós, representam vidas... vidas plenamente vividas, seja sofridas ou felizes... Cada um encontrando sua própria verdade... Para essas pessoas, isso é por demais assustador...


Não se pode tocar no sentimento.

Não se pode agarrar um momento de pura coletividade.


Mas se pode respeitar isso, ao menos...


Talvez o teatro seja um desses únicos lados que ainda restaram de humanidade na sociedade,


e até agora não vejo lá muito respeito em relação a isso...


Espero que como futuro isso mude...e acreditem, eu vou estar na linha de frente para que isso aconteça.






























Um comentário:

Castielzinha disse...

As pessoas que não sabem o valor das artes e de outras profissões além das "da moda" são medíocres. Não se preocupe com elas.